Sobre os antecedentes históricos, geográficos e patrimoniais do Caminho Português Interior, é possível afirmar que se trata, presumivelmente, do mais antigo caminho de peregrinação de longo curso através de Portugal, com origem provável em Coimbra e principais etapas em Viseu, Lamego, Peso da Régua, Vila Real, Vila Pouca de Aguiar e Chaves, de onde prosseguiria até à fronteira, ligando em Chaves, com o Caminho Sanabrês, que vinha de Zamora.

Porém, ou talvez também por isso, o mais antigo caminho é também, o menos fácil de identificar, pois carece de testemunhos da passagem dos peregrinos.

Contudo, surge a controvérsia terminológica, porque o Caminho Interior, ser o mais próximo da fronteira com Castela do antigo reino, mas não era tal, uma vez que mais perto da fronteira existe outra rota, a também conhecida por, Caminho Oriental, avançando em paralelo a esta e à Via da Prata, que servia os peregrinos das regiões meridionais (leste do Algarve, Alentejo, Beira Baixa) e também aqueles que, desviados da Via da Prata, preferiam avançar através de Portugal. A sua implantação, a partir da fronteira, é definida por Estremoz, Crato, Castelo Branco, Guarda, Castelo Rodrigo, Freixo de Espada à Cinta, Miranda do Douro e Bragança, onde se encontra com o Caminho Leonês ou Transmontano.

Assim, do itinerário “raiano” havia várias ligações, com o itinerário de Coimbra-Viseu-Lamego-Chaves, rotas transversais que até podiam conduzir até ao Caminho Central, em função dos interesses de cada viajante ou peregrino. Múltiplas conexões e variantes carecem atualmente de uma compillação definifa que, itinerário que complementaria o atualmente itenerário sinalizado, entre Viseu e a fronteira em Chaves, beneficiando este troço de consenso entre os especialistas. No entanto, há́ autores que têm apostado por esta rota, mesmo antes de o estudo dos caminhos jacobeus portugueses atingir o atual desenvolvimento, e que a têm considerado a mais importante do reino:

“Mesmo assim, muitos fiéis oriundos de Viseu e de Lamego utilizavam o percurso Poiares, Vila Real, Vila Pouca de Aguiar e Chaves, seguindo daqui para Verín em direção Ourense. Lamego era um importante ponto de bifurcação porque não só recebia peregrinos de Coimbra, como ainda da estrada da fronteira que trazia gente de todo o sul do país, residente no interior, e cujos principais pontos de passagem são a via do Guadiana, Évora, Castelo Branco, Covilhã, Guarda e Trancoso. Sem esquecer que toda a divisória entre Portugal e Castela constituía uma porta de entrada de devotos oriundos de toda a Europa, como aliás se comprova pelo casal de peregrinos alemães, Pedro e Jacomina, que entram no nosso país pelo porto de Castelo de Vide” (Barqueiro Moreno, 1989).

Por outro lado, a passagem de peregrinos deixou, ao longo dos territórios, e na cultura religiosa e popular das localidades atravessadas, profundas marcas que persistiram no tempo até aos nossos dias. É verdadeiramente notável a forma como é possível alinhar, no mapa, monumentos, antigos albergues, locais de culto, romarias, toponímia, hagiografia, todos eles na temática jacobeia, correspondendo na perfeição com o traçado atual do Caminho Português de Santiago Interior.

Nesse sentido, concluiu-se esta fundamentação histórica reproduzindo o testemunho inolvidável do Professor Doutor Arlindo de Magalhães Ribeiro da Cunha, numa palestra sobre o Caminho Português de Santiago Interior de Compostela, ministrada na UTAD (Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro) em Vila Real (Portugal) o dia 5 de abril de 2017, e reproduzida a publicação «Turismo e peregrinação: O Caminho Português de Santiago Interior de Compostela (CPSI)», coordenado por Xerardo Pereiro.

Este testemunho tem como base uma análise histórica, documental e das memórias sociais de terreno. Foram tidos em consideração os relatos de peregrinação a Santiago de Compostela, as estradas e caminhos históricos, o património histórico-artístico das rotas (ex. igrejas, ermidas, esculturas ...) de peregrinação, o património cultural jacobeu em Portugal, a extensa toponímia e hagiotoponímia e a devoção e culto de Santiago de Compostela em Portugal. Importa referir que, além de Santiago Maior, recorrem na temática jacobeia outros Santos Peregrinos, com destaque para São Gonçalo, São Roque e São Cristóvão, cujas referências são constantes, ao longo do Caminho Português de Santiago Interior.

José Garcia Domingues, "Estradas romanas e árabes", 1960

Humberto Baquero Moreno, "Vias Portuguesas de Peregrinação a Santiago de Compostela na Idade Média", 1989